Sigam-me os bons!

Sobre este Conspirador

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Diz-se, que do tempo em que os elementos buscavam sua aclimatação no mundo das coisas, a água, tenente-mar-e-guerra de todas as substâncias, pôs-se a escalar os olhos, e instalou-se nas íris, para purificar o olhar e dar  nome de lágrima ao que se fizesse descer por influenciada emoção, ou desinquietação direta. Tempo em que o caos não era desordem, e sim, denominação das coisas...

sábado, 20 de junho de 2015

Cores e entrecores

E quadrilátero,  o verde mar não aparenta tanta esverdeada emoção.
Pode as vezes, cinza-baixo-astral, não apimentar a aquarela,  que monocromática,  vai sozinha ao encontro do rio.

sábado, 21 de março de 2015

Incesto ao cartesiano sonho

Ah; que sonho...
Grande tobogã azul a sua perpendicular ascensão.
Uma reta curva que tem de tudo, menos você.
Seu carro encerado.
Tua patroa escovada.
Teu 'smile' zona azul.
Tua numerologia cartesiana.
E daqui, da minha putrefada nevralgia inexata, não sorrio.
A grande merda foi 'aristotelizar' a vida.
Sistematizar.
Eu, Jorge da Alma.
Bukowisk do fígado.
Notaro no amor.
Zizo na utopia.
Mza na acidez.
Digo que sigo rompendo em concreto, porque em fé deixo pros afortunados.
Sou demasiado idiota pra ser feliz assim.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Ensaio acerca do aroma e os bailados de uma menina

"Vi" com o olhar um tanto soslaio
que aquele aroma tangenciava meu olfato já desgastado.
Percebia que aquele perfume bailava sobre meus olhos num passo ameno; era um porto sem solidões, a primeira visão.
Senti, de certa forma, que aquele cais moreno, eram sois, luas, céus castanhos que permearam meu sentido mais masculino.
Alma morena, era ela da Ilha do Amor, de um toque índio, não poderia ser de um outro porto, pois ali o baile era gracioso.
Formas e cores que avolumam e se adensam nos mares de um eu montanhoso.
De um eu arquipélago.
Não era um rascunho.
Não era nota mínima.
Não era aroma solto.
É, pura e simplesmente,
Cheiro de Lavanda.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

As cigarras, as de inicio de novembro,
eclodidas entoam eretas notas silvestres.
Cores negativas, sons penetrantes que,
naturalidade bruta,
descem ao ouvido como terra.
Terra abaixo do ouvido
perto do sabor que tem seu canto.
Sua respiração fogosa e pedregulha,
é vulcânica,
volúpia e devoção erótica.
As cigarras erotizam
na algazarra de eclodir canto.
Murmurio homogêneo,
áspero, linha robusta,
como trago de cachaça.
Li hoje a Serra da Canastra
Eu, poente, fiquei morro
Desci e o velho chico se mostrou magro
O Pará, doente, pedia que aguapés se fossem
Ah Gerais...
Tu és feminina terra.

Sobre varandas que não me vestem (ou sobre o falso herói cintilante)

Sobre varandas que não me vestem (ou sobre o falso herói cintilante)

Descanso meus olhos no mirante
Que deixei de ser
Temendo ser eu um falso herói cintilante
ou um pequeno gigante sem espadas
Um cafezal sem flores
que, ainda verde, não eclode frutos.
Imaginando ser uma nota que dissonante
não entoa melodias.
Podendo ser ainda a relva que,
sem orvalho, não rega solo algum.
Seria eu a 'suassuna' fera estranha
Um dorso ilimitado de estranhas grades
Seria também aquele nervoso que Norato deu-se
A erguer poesia
O coração de Luzia de Azevedo
Ou a alcoólica letra de Bukowsk
Anotada minha distante aquarela
Minhas tintas que não se pintam
Lembro que minhas varandas
Já não me vestem
Descanso meus olhos no mirante
Que deixei de ser
No quarto que deixei de oferecer
Na cama que não fui
No amor que nunca senti

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

... tua letra vintage.
Minha poesia, Bukowiski.
Um dicionário babilônico...

A pedra-carta que tu me deste

Pude sentir, dias depois daquela tempestade, que a pedra-carta que me deste
foi a iconografia mais intensa e fagulha que uma alma pode sentir.
Tocar... Manusear sentidos e experienciar energias...
Pedra-carta que trazia toda a calma do mundo compartilhado,
sabores e odores de toda a estrutura convexa, que soldava os perfumes individuais.
Ela era elo...
Era fundante.
Pedra-carta que não só falava, por meio de uma sensibilidade insustentável,
como se comunicava em toque.
Era ela, ali, mensagem manifesta.
A pedra-carta que me deste foi-se,
cumpriu seu papel e deixou-me,
como tudo na vida, que onerada, vai-se na forma de silêncios,
de intermináveis não-escutas,
na avenida que é esse caminho de amar.
Aquela pedra-carta está em mim,
ela cartografa "uma luva que já não serve mais", como cantou Antônio Carlos.
Pedra-carta, ela hoje está noutro quarto,
noutra estrada,
nessa interminável luz que é o amor que se, mal iluminado,
procura outro descampado para clarear-se e devolver luz.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Ceifado o sorriso, a curva termina estrada
Seivado, o sorriso, mira em reta e se dá
caminhada

sábado, 8 de novembro de 2014

Terra, canto e transe


As cigarras, as de inicio de novembro, eclodidas entoam eretas notas silvestres.
Cores negativas, sons penetrantes que, naturaludade bruta, descem ao ouvido como terra.
Terra abaixo do ouvido perto do sabor que tem seu canto.
Sua respiração fogosa e pedregulha é erupção erotizada.
As cigarras erotizam na algazarra de eclodir canto.
Murmúrio homogêneo, áspero, linha robusta, como trago de cachaça.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Eu não estava lá, mas eu vi

Quando aquele verde invadiu minha retina
ocupou um espaço que outras cores,
até então,
não haviam 'invadido'.
Eu não estava lá, mas eu vi.
Podia ser tanto como o verde da fruta oliva,
como podia ser aquele verde oceânico
que, vastidão sem fim,
incendeia qualquer campo,
como podia ser o verde da fera natureza feminina,
aquele verde instintivo e sóbrio.
Ainda que azuis intensos já tivessem se espaçado por cá,
na minha tênue e simples escrita,
como em "azuis que não se calam",
era este verde ocupante demais.
Eu não estava lá, mas eu vi.
Quando aquela intensidão margeou minha noite,
minha caminhada soturna se esverdeou,
tornei-me madrugada,
solícito a lembrar de uma cor tão doce,
que virara tão minha de repente.
Eu não estava lá mas eu vi.
Era eu ali, aquarela.
Não era mais eu, letra
era eu ali 'verdidão' ocupada,
era eu palavra desenhada,
cor,
pincel e pintura.
Eu não estava lá, mas eu vi.
Me verdeei de tua retina luz.
De tua forma-cor-poesia.
Sentei, senti, sorri...
Verde é tua beleza e maduro teu alcance.
Sublime tua inesperada cor.
Eu não estava lá, mas eu vi.



segunda-feira, 16 de junho de 2014

Mantras sob uma ladeira denominada amor.

Passei por ali, de partida.
Segurava às mãos todos meus destinos
Tecidos que foram se costurando
A medida que respirava noturnos
Pensamentos.

À tira colo,
carregava o sonho de tramar a favor de amar.

Subi naquela montanha, um terreno hostil
sob a ótica do olhar,
mas de uma paz sobrenatural.

Enrolei todas minhas lembranças e atei esperança nelas
Febrilmente elas se inflaram de um torpor insano

Peguei todos meus sonhos, sopros que se perderam ao vento
E debrucei sobre eles uma cortina de bem-aventuranças

Entoei mantras
Sussurrei caminhos
Expirei falas desconexas

Parti sem destino rumo ao eterno e longilíneo
Coração temido

O que ama
O que desce ladeiras
O que se apresenta
Aquele que se diz,
Valente.



Quadros, amores e dispersões

Como um quadro inacabado
Vejo você aproximando-se.
Dois pincéis se apresentam a esta superfície inescrita.
E, de posse das mais belas e apaixonadas cores,
te convido a comigo,
pintar uma história a duas mãos...
Um par, uma estrada, um quadro.

terça-feira, 10 de junho de 2014

O engarrafador de nuvens

Ontem,

quando, como em todos os dias caminhava com destino laboral,
vi aquele homem.

Imagem sempre truculenta a entortar a paisagem urbana.

Decidido a não somente ver, me aproximei e sem maiores problemas
ele me disse que ali, engarrafava nuvens.

Era ele ali, suplemento de uma inusitada afirmação.

De pronto ele tirara do bolso um leão que vociferava nas pequenas paredes de vidro,
estava ali sua torre, teu forte.

Imóvel, ele me dizia que a velocidade das dores mundanas o presenteara com essa habilidade poética.
E que, para alguns, era ele terrível demais por engarrafar nuvens tão lindas.

Dizia ele que esta práxis epifânica o tirara seus maiores sonhos,
conviver com sua filha, pois engarrafar nuvens era tarefa de mentes inacabadas.

Preferiu a imobilidade da solidão a provar rua serenidade.

Preferiu trazer as mais diferentes imagens a suas garrafas vazias,
vazias como os corações dos transeuntes que por ali passavam,
a dissertar sobre tão avassaladora incumbência.

Sentou numa pedra
Pegou seu destino
Virou criança
Largou a esmera de se explicar.

Imóvel.
Engarrafa sobre si, seu caminho.

Curto,
porém insurrecional.

Estética negada,
por uma tão vigiada vida.

O engarrafador de nuvens.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Transe de um eu a deriva

Esta pressão imediata
Um poder intenso que toma de mim energias imensas
É besta fera que se assemelha ao holocausto
É pura desarmonia
É desalinho que fez morada num combalido diário
É caminho torto em coração imperfeito
Chama que incendeia meus oceanos
É vulcão que emerge sobre pés desalinhados
Mentira sobre meias verdades
Tuba no deserto
Esta imediata pressão
É de mim, coloquial paixão
Esfera absorta de mensagem
Dor que mata a conta gotas
Mortes diárias
São conspirações poéticas.

quinta-feira, 20 de março de 2014

Curumim e a Boneca

Curumim se encantou pela Boneca
A Boneca, perante um cortejo célebre
Se apaixonou pela reza
Curumim mirou o céu
E lá viu que somente as estrelas
Brilhavam como a Boneca
A Boneca se lançou em bailado
Em loas e cirandas
Dançara num movimento celeste
A Boneca se encantou
E pelo céu partiu em oferenda
Curumim, desejoso de manusear o
encanto da agricultura estelar
Encantou-se pela noite
Saiu pela mata
Em busca da luz
Que arou seu desentoado coração
Curumim se encantou
Partiu pelas estradas divinas
Virou estrela
Viraram encanto
O Curumim e a Boneca
O Céu e a Estrela

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Vida de Espera

Vida de espera
É sono que não chega
Telefone que não vibra
É coração que se esmera

Olhar a solta e à prova
Silêncio que se propaga
Mundo que não se ajeita
Tua imagem que em mim soçobra

E como fotografia faz morada
Nas minhas caminhadas noturnas
É fruto que cai no chão
São pedaços de uma longa estrada

Vida de espera
São infinitos que se debruçam
Sobre um mar revolto e denso
De caminhos que não mais se encontram

É vida de menino apaixonado
É soluço em madrugadas solitárias
São olhares perdidos ao fundo de objetos soltos

É coração vazio
Em vida de espera.


Manoel de Barros - 'Siempre'


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Silêncios que me gritam

Este silêncio que me enforca
Força mais de mim que qualquer grito
Já emitido nesta minha
Enjaulada boca
Grunhidos que se ajeitam no meu colo
Sob a denúncia de erros que se perpetuam no tempo
Silêncios solitários pronunciados em letras minúsculas
E não mais apenas uma bricolagem de minha alma
São silêncios de um mundo que se ergue em mim
São palavras de um canto onipresente
Sons tonitruantes que estrondam meus novos sentidos
Mantras compostos em desejos febris
Missiva épica de um novo homem solitário
São silêncios de um novo velho mundo
De um novo gado
De tarefas árduas em se pacificar demônios
Silêncios que nunca pude pronunciar
E que agora se mexem em mim
Gestos inquietantes de quem até, hoje de manhã, só era voz caída
Silêncios que me atormentam
Vozes que me afetam
Sopros saltitantes de sons à extremos
Desejosos de ficarem calados
Vozes sobre mim ainda procuro
Vestígios de uma incoexistência escuto
Verdade nenhuma sussurro.

•urbanidades•


segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Azuis que não se calam

Ainda aturdido com o vazio que eu me impusera

Percorro um mundo que se envolve entre nós

Missiva sobrenatural que acaricia minha infância

Visita de infortúnios que havia deixado inerte quando pensei em desistir do amor

Séculos atrás...

São agora palavras que não me deixam sombrear minha calma

São azuis intensos que me levam a sentimentos, inesperadamente, confusos

Ossos que remontam datas benfazejas

Caminhos de mim

Desejos de você

Imagens sem fim

Anúncios de você

Incertezas incomuns

Fotografias de você

Aforismos de mim.

Construções de você

Arquétipos que infelizmente construo sozinho

Você...

que sobriamente não emite sinais

Não enumera linhas que eu possa margear tua presença

Enigmas que não esperava viver tão rapidamente

Absorto.

Acalmo minha fala.

Minha poética paixão.

Espero teus sinais.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sobre Jandira e um amor mateiro

... Era janeiro de 2007 quando ‘Jandira’ foi dada como desaparecida por seus pares e amigos, forças naturais e demais interessados, no entanto, ela deixara marcas que nunca desapareceram, pois incorporara o próprio mito, em metafísica. Uma narrativa que se entrelaça com a história de Jorge, sonhador, humano, guerreiro, mais por admiração que por estética e predicado.

‘Jandira’ aparecera na comunidade Arandu quase por acidente. Bióloga recém-formada, ela acompanhava uma comitiva de rondonistas que expedicionvam pela região na tentativa de criptografar a oralidade do povo e suas relações com os biomas locais. Jorge era veterano do curso de línguas e trabalhava numa linha de pesquisa que buscava na relação acima citada a essência da etnia, conhecida pela valorização da tradição oral do seu povo, na criação de mitos, que carregava ao longo dos anos crenças e lendas fortemente enraizadas na região. Sob o olhar da mata, dos espíritos e das forças ocultas que se embrenham na alma, um amor se fez raiz; como a das árvores bicentenárias, que cercavam os solos do lugar, o amor cercou os acadêmicos corações dos dois.

O povo Arandu durante muitos anos viveu isolado das questões ditas sociais para este moderno mundo. Seus líderes ponderavam que para a preservação da comunidade e, sobretudo, para manter as características de seu povo intactas das maleficiências do homem, era de suma importância manter distância das formas de educação e convívio “civilizados”. Os Arandu eram um povo que, diferentemente das outras etnias do lugar, colecionavam e reverenciavam uma série de espíritos e mitos que impregnavam sua cultura de magia e interrogações. Alguns nativos incorporavam estes guerreiros e guerreiras do passado, e assim, remontavam a tradição e o conhecimento aos jovens. Por meio de rituais, revelações as mais diversas eram absorvidas, numa espécie de transe impulsionada pela ‘ayahuasca’, chá típico de alguns povos indígenas do lugar.

As histórias de Marina, a bióloga, e a de Jorge, o linguista, se cruzam neste campo de relações acadêmicas misturadas ao sincretismo e tradição indígena, nos rituais florestais que trazem a mata para dentro da alma. Das paixões brejeiras que ruminam mantras e fotossínteses amorosas.

Nestas entranhas eles se conheceram durante uma tarefa de memorialização do povo e de seus antepassados, processo que somente com muito custo e negociação foi aceito junto aos líderes da tribo. Uma vez de olhares cruzados os dois se apaixonaram, sem mesmo uma palavra dita, sem sequer negociação amorosa qualquer ou processo de conquista, ou alguma ponte de comunicação que não seja visual. A intensidade dos olhares foi tamanha, que para que essa paixão desaguasse mata e coração adentro, não necessitava de nenhuma interação estética, apenas o combustível que alimenta a raiz, e esta, fincou-se no coração dos dois, assim como os Jequitibás se fincam chão adentro.

Mimetizados pelo romance, alheios à tarefa incumbida, os dois ficaram estatelados a se namorarem. Ficaram naquele lugar, ali, se sentindo sem se tocaram, numa paixão momentânea, eterna, duradoura, erótica. Abordados pelo coordenador, pois já demonstravam certo impasse nos trejeitos, os dois se recompuseram e tentaram refazer suas atividades. O chefe da expedição ficara receoso de que os caciques pudessem zangar-se com o amor desconhecido e desabrochado, e cancelar assim, as atividades. Chamou a atenção dos dois. Ainda em êxtase, ficaram sem entender o que lhes acontecia.

Ambos sentiram uma estranheza fora do comum: como havia de sentir tamanha densidade de sentimentos sem sequer se tocarem. Como poderia sentir homérico prazer sem, de fato, presenciá-los.
Recolhidos ao fim da atividade tentaram se pronunciar entre a caminhada de volta do trabalho, mas as tentativas foram inúteis, estavam cercados não somente pelas bordas da mata densa, mas também por energias que não eram suficientemente táteis para que ambos compreendessem.

Ao chegarem ao campus conseguiram trocar algumas palavras, fúteis, nada mais que isso. Combinaram de tomar um sorvete ou alguma bebida qualquer, isso era o de menos para uma situação tão forte como a que viviam.
Eis que as forças da natureza são maiores e, peças do destino à parte, fez com que este momento não se concretizasse, pelo menos neste plano mundano.

Durante o trabalho da semana seguinte os rondonistas foram convidados a presenciar o ritual ‘xamânico’ típico dos Arandu, em que os aptos incorporavam trejeitos, formas e peculiaridades de seus antepassados, e foi aí que ‘Jandira’ aparecera na vida dos dois.
Durante o consumo do chá Marina sentiu uma vibração muito forte em seu corpo, e este passou a não corresponder seus estímulos. O cacique Arandu orientou que ninguém a tocasse, pois caso ela estivesse incorporando o espírito da índia ‘Jandira’, mateira e caçadora que protegia a tribo em noites de relâmpagos, a moça poderia nunca mais desencarnar daquela força. E foi o que aconteceu.

Jorge afoito e imaturo para as questões espirituais tentou persuadir Marina, ou ‘Jandira’, a se recompor, quando levou uma forte pancada na cabeça e caiu ao chão. Todos ficaram assustadíssimos com tamanha força que a moça acertara seu recém-amado. Jorge conseguiu apenas segurar o embornal que Marina levava a tira colo. ‘Jandira’ saiu correndo mata adentro.
O cacique explicou que ‘Jandira’ só aparece raramente para pessoas muito sensitivas e que dificilmente ‘devolvia’ quem a envolvia. O fato já acontecera anteriormente.

Marina nunca mais foi vista.
De lágrimas olhos afora Jorge ficou com coração partido vida adentro. Na bolsa de Marina um bilhete que, certamente, era para ele, que dizia:

“(...) não tenho um sabor de sorvete predileto”.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Breve oceano em chagas

Sob aquela água escaldante
meus sonhos esvaiam-se;
eram pétalas despidas num jogo,
de mal e bem-me-quer.
Águas que não filtravam as inobservâncias de meu corpo,
águas que não decantavam as sonolências,
de meu corpo.
E nelas, não pude banhar-me,
não pude lavar minhas lágrimas
e expurgar minhas profundas dissonâncias.
Águas muito quentes para um sol tão frio.
Sob um não margear de curvas, assim como navio,
desatina-se a um pequeno quadro de onda:
elas me desatinam.
Sou leme sem direção,
estou coração envolto que não se molha,
em caminho algum.
Vendaval capinando a procura de endereços,
que sem rumo destroça toda estrutura possível.
Vultuoso conflito,
elementos diversos sem linha amena.
Resquícios infantis,
ligações químicas que não se ligam.
Águas turvas.
Caminho torrente.
Garrafas que se perdem ao longo de mim,
breve oceano em chagas.


terça-feira, 16 de julho de 2013

Jasu, os espelhos d’agua, ou as imagens da clausura líquida.

Desapercebido com suas inconstâncias, avenidas e esquinas que o perfuravam rio abaixo, Jasu caminhava na imensidão de um chão que nem sempre o sustentava. Esta metafísica o metamorfoseava diariamente, exigindo perícia tal que o convertia em papel principal de um painel do absurdo.

Com veneno tão incoerente, suas pernas não mais lhe deram certeza de sua simbiose com o rio. Sem nitidez possível, sinal algum de si faiscava no ar. Não. Convertido em liquidez errante não mais se imaginava, porque, não raro, se olhou demais...

Espelhos d’água que antes o margeavam não mais denotavam sua imagem, não o dava mínimo de informação suficiente para que imprimisse noção vaga de si. Toda essa descida, essa ‘caição’ de emoções eram flertes vagos. Angústia não manuseável! ...Que o fizera líquido esparso.

Pedaço diluído, era agora mistura em chão de rio, que o compusera vasto, sem estética. Antes remanso, era agora água corrente sem destino. O rio não o recriava. Retina alguma o fotografava. Rio abaixo em si mesmo. Rio caído em avesso.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Sebastianismo do Sertão

Sebastianismo do Sertão

“Daqui de cima, no pavimento superior, pela janela gradeada da Cadeia onde estou preso, vejo os arredores da nossa indomável Vila sertaneja. O sol treme na vista, reluzindo nas pedras mais próximas. Da terra agreste, espinhenta e pedregosa, batida pelo Sol esbrazeado, parece desprender-se um sopro ardente, que tanto pode ser o arquejo de gerações e gerações de Cangaceiros, de rudes Beatos e Profetas, assassinados durante anos e anos entre essas pedras selvagens, como pode ser a respiração dessa Fera estranha, a Terra – esta Onça-Parda em cujo dorso habita a Raça piolhosa dos homens. Pode ser, também, a respiração fogosa dessa outra Fera, a Divindade, Onça-Malhada que é dona da Parda, e que, há milénios, acicata a nossa Raça, puxando-a para o alto, para o Reino e para o Sol.

Daqui de cima, porém, o que vejo agora é a tripla face, de Paraíso, Purgatório e Inferno, do Sertão. Para os lados do poente, longe, azulada pela distância, a Serra do Pico, com a enorme Tapeorá, cuja areia é cheia de cristais despedaçados que faíscam ao Sol, grandes Cajueiros, com seus frutos vermelhos e cor de ouro. Para o outro lado, o do nascente, o da estrada de Campina Grande e Estaca-Zero, vejo pedaços esparsos e agrestes de tabuleiro, coberto de Marmeleiros secos e Xiquexiques. Finalmente, para os lados do norte, vejo pedras, lajedos e serrotes, cercando a nova Vila e cercados deles mesmos por Favelas espinhentas e Urtigas, parecendo enormes Lagartos cinzentos, malhadas de negro e ferrugem, lagartos venenosos, adormecidos, estirados ao Sol e abrigando Cobras, Gaviões e outros bichos ligados à crueldade da Onça do Mundo.
Aí, talvez por causa da situação em que me encontro, preso na Cadeia, o Sertão, sob o sol fagulhante do meio-dia, me aparece, ele todo, como uma enorme Cadeia, dentro da qual, entre muralhas de serras pedregosas que lhe servissem de muro inexpugnável a apertar suas fronteiras, estivéssemos todos nós, aprisionados e acusados, aguardando as decisões da Justiça, sendo que, a qualquer momento, a Onça-Malhada do Divino pode se precipitar sobre nós, para nos sangrar, ungir e consagrar pela destruição”.

Do romance “A Pedra do Reino” de Ariano Suassuna.
In Revista “Portugueses” (Maio/Junho 1989)

terça-feira, 28 de maio de 2013

Sobre energias errantes e vetores de sucesso

O coração que ontem, arremetia-se em desaventuradas emoções terrestres
Hoje almeja voos audaciosos
Circuitos altos em busca de uma metáfora perfeita, ou como disse o selvagem,
a "substantivação" certa para cada certeza.
Cartazes inscritos nas fileiras de uma caserna sem munições
Que armada de sorrisos fúteis não se projeta,
apenas se mostra, frágil.
Desaquartelado, o coração menciona vetores que, ainda não nomináveis,
não tem sentido, nem rota.
Pareceres de um novo possível caminho,
ou de possível novo caminho.
Conjuntos, vivências, comunicados eletroamorosos que conjugam verbos não perfeitos.
Energias errantes em busca de uma batida sem rumo.
Não tensionado, o coração tende, agora munido de emoção corrente, a sorrisos voláteis.
Ele calcula vértices, inter-relacionando paixões, calmarias e bem estar...
Passado o negrume se refaz; alma e desejo.
Biologicamente viável.
Metaforicamente imperfeito.
De caminhos turvos...

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Ciscos, montanhas e sonhos perdidos.

As montanhas, não voláteis,
Se espassam por imposição de beleza.
E ainda que,
De implosões e decisões portáteis
Estas sonhem tornar-se íngremes
São tolhidas por uma devassa parede em suas rotinas.

Um não olhar.

Sem transcender nossos ciscos, tornamo-nos montanhas
Picadeiros errantes que se erguem de tais formas,
Que escrutínio possível não existe.

Eixos sóbrios.

Ciscos, que na mais pura tenacidade em que tua função exige
Não são, interessadamente, notados.
Somos sodomizados pelo medo de não ter artifício suficiente quanto à interrogação,
Correia que ata sonhos, nossas puras existências.

Ciscos.

E a montanha então domada, gravita sobre uma espiral que não conhece.
Do ponto mais alto de sua ereta razão,
Tiranas, ordenam mortes severinas
Retinas laminadas exercendo poder frente à sua visão embaçada

Ébria, acreditando dominar tais selvas,
Não enxerga em tuas próprias celas
As menores oportunidades em soltar-se delas.

Montanhas.

Ilhas plantadas no chão imerso.
E os ciscos idos, não mais generosos,
Avoam-se, e não revisitam
Nossas mais engenhosas obras.

Labores, sabores, situações não declaradas.
E quando não transpomos os ciscos,
A tira colo, nosso destino,
Se vai em decisão de outros.

De montanhas que não tem nomes,
De passos que não tem destino.

Pele que vestimos e que não se adaptam
Sonhos perdidos demonizando sorrisos

E os ciscos, aqueles: subjetivos
Somen-se na imensidão de nós

Nos sonhos perdidos.

Leandro Galdino por acesso e fluência de A. Supertramp

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Abelardo e Heloísa, "Crônicas de Rubem Alves"

Abelardo e Heloisa

O romance entre Heloísa e Abelardo iniciou-se em Paris, Abelardo tinha 37 anos e Heloísa tinha 17 anos, quando se conheceram.

Abelardo, ao ver a jovem Heloísa, ficou encantado com a sua beleza, e tentou aproximar-se dela, pedindo ao seu tio Fulbert que o alojasse em sua casa, pois ficaria mais perto da sua escola, e não teria as preocupações de cuidar de uma casa, ficando com mais tempo para se dedicar aos seus estudos.

"Ela era bastante bonita e a extensão de sua cultura tornava-a uma mulher excepcional (...) eu a via assim ornada de todos os encantos que atraem os amantes".

O tio de Heloísa viu nesta oferta uma oportunidade para a sua sobrinha evoluir nos seus estudos. Assim, Abelardo tornou-se professor de Heloísa.

Todas as horas vagas que Abelardo tinha dedicava-as a ensinar Heloísa, inicialmente na presença do tio Fulbert. Algum tempo depois, Fulbert, confiando em Abelardo, deixava-os sozinhos.

Como Abelardo ensinava na escola durante o dia, dava aulas a Heloísa durante a noite, enquanto o seu tio Fulbert e todos dormiam.

Em pouco tempo, cresceu entre ambos um grande amor, deixaram de se preocupar com os livros e o estudo, fascinados um pelo outro, viviam esta paixão de forma intensa, trocando beijos, carícias, palavras doces e promessas.

"A ingenuidade do ancião deixou-me estupefato. Eu não me recobrava do meu espanto: confiar assim uma terna ovelha a um lobo esfaimado! Encarregou-me não apenas de instruí-la, mas de castigá-la sem reservas (...) Que mais teria a acrescentar? Um mesmo teto nos reuniu, depois um mesmo coração. Sob o pretexto de estudar, entregávamo-nos inteiramente ao amor. (...) trocávamos mais beijos do que proposições sábias. Minhas mãos voltavam com mais freqüência a seus seios do que a nossos livros (...) Para melhor afastar as suspeitas, o amor me levava às vezes a bater nela (...)".

Tanto Abelardo como Heloísa, eram dois intelectuais, e ao viverem este amor, sabiam os perigos que corriam perante a sociedade. Numa noite, o tio Fulbert descobriu o amor escondido entre Abelardo e Heloísa. Furioso, expulsou Abelardo de sua casa.

O amor entre Abelardo e Heloísa não diminuiu, começaram a encontrar-se nos locais que Heloísa podia frequentar sem acompanhantes; em sacristias, confessionários, catedrais. Heloísa engravidou, e para evitar um escândalo, Abelardo levou-a às escondidas da casa do tio Fulbert, para a sua aldeia em Palais, onde ficou aos cuidados da sua irmã, até dar à luz um menino, que Heloísa deu o nome de Astrolábio.

Abelardo voltou para Paris, para continuar a ensinar, mas não conseguia estar longe de Heloísa, como tal, foi pedir ao tio permissão para casar com Heloísa. Fulbert, embora magoado, consentiu o casamento. Heloísa deixou o seu filho com a irmã de Abelardo e dirigiu-se a Paris.
O casamento realizou-se durante a noite, às pressas e às escondidas, numa pequena ala da Catedral de Notre-Dame, sem trocarem alianças, nem um beijo, de modo a que ninguém desconfiasse.Só estavam presentes os familiares de Heloísa e alguns amigos de Abelardo.

Pouco tempo depois, o casamento tinha sido descoberto e Fulbert envergonhado, resolveu vingar-se de Abelardo. Contratou uns homens para invadirem os aposentos de Abelardo durante a noite e castraram-no. Assim aconteceu.

Abelardo na sua angústia e vergonha, obrigou Heloísa a ingressar no mosteiro de Santa Maria de Argenteuil. Heloísa tinha vinte anos. Na sua dor, Heloísa fez os votos monásticos e ingressou na vida religiosa, por amor a Abelardo.

Abelardo retirou-se para o mosteiro de Saint-Denis.

Durante muitos anos Abelardo e Heloísa não se viram, apenas trocavam cartas um com o outro. Nestas cartas Heloísa expressava toda a sua dor, pela triste sorte do seu amor, e toda a sua rebeldia, por ter ingressado na vida religiosa e ter vestido o hábito.
"Fujo para longe de ti,
evitando-te como a um inimigo,
mas incessantemente
te procuro em meu pensamento.
Trago tua imagem em minha memória
e assim me traio e contradigo,
eu te odeio, eu te amo."
Carta de Abelardo a Heloísa.

"É certo que quanto maior é a
causa da dor, maior se faz
a necessidade de para ela
encontrar consolo, e este
ninguém pode me dar, além de ti.
Tu és a causa de minha pena,
e só tu podes me proporcionar conforto.
Só tu tens o poder de me entristecer,
de me fazer feliz ou trazer consolo."
Carta de Heloísa a Abelardo



Anos mais tarde Abelardo construiu uma escola-mosteiro ao lado da escola que ele tinha dado a Heloísa. Viam-se diariamente, mas não se falavam, apenas trocavam cartas. Pois mesmo passados tantos anos, uma aproximação entre Abelardo e Heloísa era vista como uma tentação carnal, pois foram vítimas desta malvadez por inimigos de Abelardo.

Abelardo morreu em 1142, com 63 anos de idade. Heloísa mandou construir uma sepultura em sua homenagem. Mais tarde, em 1162 morre Heloísa e a seu pedido, foi sepultada ao lado de Abelardo.

Em 1817 os restos mortais dos dois amantes foram levados para o cemitério de Pére Lachaise.

Crônicas de Rubem Alves

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Abismo, eu, estrada...

Quando em humor livre desço ao palco de deus

Calam-me teus vestidos hipócritas

Linhas, que no horizonte serram meus sonhos

Era ali, eu, abismo


Sentado ao lado de minha caminhada

Hipnotizando meu sangue

Observo o teu carisma,

Que epilético, me ensina a não dedicar-me ao hipotético

Era aí, eu, sombra


E postado diante de um caminho incerto

Que embora calmo denota insegurança

Percorro cores teatrais

Sou aí, estrada sem fim


Animado com adereços aterrorizantes

Desço à montanha

Recheada de sons poéticos

Era eu, ali, tecido


E tecendo, minha existencial revoada,

Sozinho,

Sou eu, aqui, asa de pouco som

Batidos que não me elevam.


Parafusado a uma metáfora que não é minha

Sou eu aqui,

Ausente.

terça-feira, 12 de junho de 2012

A pólis, as feridas e o meu coração...

O olhar sobre a cidade se anuncia como tarefa árdua.
Sem lentes como auxílio, não nos é possível transcendê-la
A poeira industrial e a sonoridade asfástica se posiciona ante esta sensação

Satélites não são, propriamente, satélites, não expandem suas antenas.
São apenas ferramentas de um sistema em chamas
Apenas para fechar negócios... Nada além.

"E-commerce", "Market Share", "Mercado Livre"...

Volúpia Monetária

Pessoas descabeladas buscam doces na esquina
Árvores à volta e sob milhares de destinos
O nada, representa a singularidade dos tempos modernos
Assaz, a sociedade da informação nao coaduna com a informação, e sim, com o instrumento.
Apenas.

Vírus.

Solidão Coletiva.

Monumento em círculo.

Reunião de elementos opacos. Sorrisos marrons.

O cateiro já não traz respostas, muito menos perguntas. Cobranças apenas.
Ferramentas apenas.

Coqueiros murchos sob viadutos.
Os postes já não iluminam.
E os estudantes à volta já não "caminham e cantam a canção", há tempo!

A alta tensão alimenta a cidade.

Pólis ferida...

Inusitada, uma bicicleta se arrisca em meio aos dinossauros do asfalto.
Alucinado um pobre buzina no trânsito de sua alma...
Sem saber para quem.

Desço à rotatória.

Em círculo caminho para a industrialidade.

Essa, triste e longa chaga

que não acalma meu coração...

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Contos de Elástico

Hardwares customizados

foram encontrados á beira de uma hostíl memória,

cobrando sentimentos.

E, numa nuvem,

depositara plug-ins perversos,

detonara algo que nomeou de "eletroamor".

Quantificação de ligações químicas.

Patenteadas suas nuances,

ele agora quer licença

para abonar qualquer paixão...

Ainda que esta seja desprovida de sua alcunha

"eletroamorosa"


São #contosdeelástico.

terça-feira, 20 de março de 2012

Sono cerebral de um mundo em chamas

No caminho do caminho, pedras

Na fonte, em segundo plano, metáforas...


Sonhos inviáveis.


No berço da poesia, mobília ereta

À beira da cólera, violência

Dias odiados.


Palavras não conhecidas,

Sono profundo de seres que portam esqueléticos cérebros.


Regurgitam sua respiração.


Anomalia característica do humano.

Trafegando informações, me iludindo

Percorrendo nuvens, "pueira" hostíl.


Contorcionismo verbal.


Catástrofe em eucarísticos dias, marketing de mim.

Cada mosaico denota um raciocínio decadente.


A lógica decadente.


Na condução ao inferno, o pastoreio.

À frente do céu, o diabo.


Em minhas palavras,

Em meias palavras,


Sono cerebral de um mundo em chamas.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Sobre pupa, casulos, borboletas e mariposas.

Houve um tempo em que sonhos me eram estreitos

Tanto aqueles noturnos quanto os palpáveis em longo prazo

Delgados, amenos ou simples

Houve um tempo em que brinquedos me eram necessários

Houve um tempo em que parapeitos eram cruciais

E houve tempo em que lágrimas contemplavam memórias

Houve um tempo em que drogas me eram parte do corpo

Num outro tempo o sexo fácil era o totem de uma etapa

E noutra etapa sorrisos eram sonhos impossíveis

Intangíveis

Houve tempo em que o “Estreito dos Sonhos” era largo em demasia para atravessar

Esse tempo perdurou-se em minha alma por séculos de humanidade

Hoje é o tempo que, metaforicamente, concluo como mariposa

Que suas quatro fases: o ovo, a larva, a pupa e o estagio adulto conclui um belo processo, poético, sereno, mas não menos hostil.

O inicio do ciclo, ovos postos, as borboletas, soldadas desta égide da vida seivam folhas para os seus destinos, período de sonhos pueris

Transformada então, em lava, lagarta enumera e consolida o início profundo, dotada agora de aura, novos sonhos

Casulo, crescemos e guardamos energias.

Estagiando na vida, produzimos nossos fios de seda ou semelhantes, que se prendem a superfície de uma natureza não codificada.

Esses mesmos fios servem de abrigo contra os predadores, as vezes nós mesmos.
Este mesmo animal, febril solicitante de espelhos, agora em pupa, depois de várias
mudanças de pele, usará esses fios para construir o verdadeiro casulo.

Sonhos concluídos.

Enfim, borboleta e o casulo, rompidos os sonhos serão nossas asas afora, tateando outros sonhos, ciclos perfeitos de uma metafísica profunda.

Por Leandro Galdino

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A comovida e triste árvore e o poeta caído

Caminhando à luz de sua existência

O poeta dirigia-se ao calvário

Era ele árvore comovida e triste

Seu tronco carregava momentos tatuados

Suas folhas evidenciavam torturas

Suas raízes eram roupas despidas ao longo do tempo

Caminhando, a sombra de sua projeção

O poeta era árvore caída

E a menina, que um dia comoveu-se com sua flor

Agora nega tua água

Comovida e triste, a árvore movia-se ao seu dilema

E assim como gravuras coladas no tempo

O poeta manufaturava seu pobre destino

Cambaleando tempestades

Sonhando alças para o vento

Comovida e triste era também a menina

Jovem demais para enraizar-se ao chão

Ao chão que o solo da alma habita

Comovida e triste, a árvore caminhava...

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sobre torrentes de luz e a escuridão imersa

Vindo de mais uma vida

Jasu tateava a luz que cercava a Caverna

Eram vestes que o acompanham desde a "pueridade".


Sentado ao lado de sua alma

E tecendo honras aos teus mestres

Duas dezenas de primaveras faziam

"Que Jasu jazia" em espiral ao seu próprio corpo.


Com os tecidos manifestando ausências joviais

O homem, que outrora, líquido, desceu às fontes,

Percebeu que transpor a Caverna não significava enxergar a luz


Ele pôde sentenciar que a cegueira também nos acompanha na claridade

Se não transcendemos nosso olhar para algo pleno, não-lógico.


Jasu não enxergava na Caverna

E fora dela a tempestade de luz o cegava novamente.


Afora o destino, afora a "clarividência" do poço

Jasu relia sua caminhada

E presenciava sonhos evaporados!

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Por Jorge Fhaber*: Quantos sóis te emudecem?

Se resolvesse um dia de fato ser feliz, quantos sóis te acalmariam?

Com essa aguda frase humildemente me apresento a vocês, Jorge de nascimento, e Fhaber de inspiração. Com as honras de gratidão ao nobre convite conspiratório me aproximo perguntando o que acalma e o que não erotiza tua sensata caminhada neste plano?

E mais: o que te cala?

Com algumas pauladas goela abaixo, e sem vaselina ou guaraná que amorteça, vamos mirando coisas que não são palpáveis, sonhos que não são nossos. E ainda que a ciência mãe dê conta e amparo a várias reflexões, acerca disso que aí está, “não se encaixam as abóboras”.

“Isso tudo que aí está” não é mais o que se gasta para nomear os “dias digitalizados”. Os planos de carreira perfeitos. Os moldes. Concreto armado na decência de um ser que nunca o foi. E o “vigário institucionalizado”, que infelizmente pode ser até eu mesmo, anima o velório. Stand-up para a fome, para a obesidade. Alguns se amenizam com isso e a carapaça que adentra rabo a fora, “ladeia mais gostoso”. Quer uma coisa que dói mais ao ser humano que o dinheiro: a crítica. Esta é a pior das ofensas. Críticas desconstroem castelos verticalizados com o cartão de crédito, com o silicone, com os psicotrópicos e com o amor.
Doa-se parte do soldo para em parcelas suaves comparecer ao céu quando chamado, e não ao fogo na consciência imediata.

O “modus operandi” do modelo de dominação de massas hoje é, falando de sua mais ampla e moderna frota de armas e ferramentas que já se viu, por que ela domina o subjetivo, ela é força motora que nos margeia até enquanto estamos em sono. Ela impulsiona o desastre de toda a superestrutura quando faz as pessoas comprarem sem poder, sem querer e sem precisar. E não falo só de produtos, falo de vida, felicidade, amor, sexo, família, trabalho, amizades, ego, auto-estima.

E vive-se uma felicidade que não é sua. É molde encaixado. Globalizado. Só que pelo lado inverso do ser. Pela carne e pelo espelho. Assim, somos corpo fácil a ser tomado por essa rede positiva que não existe: a humanidade enquanto instituição feliz por natureza!

Corroborando o pajé Milton Santos, que disse nunca ter havido humanidade, te pergunto: quantos sóis te levariam à humanidade? Quantos lábios? Quantas “inas”? Como anfetamina, cafeína, cocaína, e tal... e coisa. Por quanto tempo os sorrisos teriam de brilhar para reverenciar o seu corpo, se de fato você quisesse ser feliz? Quantos flashes te bastariam? E por fim, quantos amores e quantos amados te seriam fundamentais para alicerçar um altar que não existe enquanto formato.

Não existe humanidade, não há felicidade pronta, não há consenso que caminhe para a coesão. Todos “ideologismos” usaram ferozmente da propaganda: comunismo, socialismo, totalitarismo e outros. Sem distinção.
Marketing. Vigarice. Ostensividade da segurança pública e da propaganda que amordaça. De piaba a tubarão. De intelectual a artista. Do lixeiro, o mais baixo posto na escala do trabalho, como disse um vigário de marca maior, ao líder e profeta.

Vivemos num mundo “marketizado”, propaganda de algo que nunca foi mundo!
Fruto disso, o dito ser louva a mais sóis que necessita. Acumula energias que não lhe são necessárias. “Baby beef na mesa do ambientalista e criancinha no colo do padre”.

Infelizmente o único deus que a sociedade atende é o “marketing”. O mercado.

Jorge Fahber é “cientista do acaso”! Há alguns anos articula
textos sobre algumas questões que envolvam “sociedade”.
Menos sobre a verdade, como ele mesmo diz.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

... Cega e Surda Pedra... Serena e Calva Rocha

Subindo as montanhas nevosas de meu destino
O condor, acrobata celeste, me olhava
Eu não me via
Sossego não havia nos meus tímpanos
Meu coração era folha queimada

No silêncio da solidão acompanhada
O orgulho não me parece terra fértil
É um nascimento ao avesso
Em vez de dinheiro, o selvagem queria verdade

Cega e Surda Pedra é meu existir banalizado, socializado
Serena e Calva Rocha é selvagem sonho, de vida

Talvez seja engano ir fundo demais quando não há rota
Somente o trilho conexo
Em não ter o destino como uma amante.

Passos soltos levam-me ao sorriso, sem certidão,
trafego por canais arenosos.

Magia.

Afagando sempre, é impossível atravessar o rio..

No chão, deitado à grama,
venenosas almas batem à porta de meu armário.
Inanição assistida.

A Cega e Surda Pedra,
quieta, olhando...
A Serena e Calva Rocha.

Selvagem.

Por Leandro Galdino.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

"Sobre: A água na planta e o samba de teu universo"

Se todos nós, humildes ou desforrados capinadores de alma,
pudéssemos pleitear um samba para declarar nossa existência,
talvez a surdez de tantos lobos e antílopes que habitam mercados financeiros,
talvez todo esse quadro poderia converter-se em outra forma,
menos quadrado.

Se os militantes, de butequim, de açougue, de escadaria ou de altar,
fossem contemplados com um único samba, que codificasse o genoma que o habita,
o emaranhado que é teu coração,
talvez fosse o ar menos insano.

Aspirante a "Conspirador" estaria este combalido coração com uma estrofe tatuada na testa:
"Tudo que é muito, é demais".

E perdoada bela redundância, que consagra a poesia casuarina,
“Entrelinhas só quero lembrar, Que a terra fértil um dia se cansa,
É uma questão de esperar”.

Criptografam-me estes versos,
por gravidade entoam uma conexão de coração quieto,
notas de respirações amenas,
de subjetivos olhares internos.

Porquê “Relógio que atrasa não adianta e o remédio que cura também pode matar".

E se, o tempo não envereda razão, como deveria,
quando a tua certeza é finita,
porquê existe apenas enquanto idéias, ou planos,
a natureza, essa onça selvagem, deságua uma única certeza:

Equilibrar-se.

Porquê “Água demais mata a planta.”

PS. Palavras entoadas por “experienciação” do samba “Minha filosofia” – Grupo Casuarina, que deslancharam-se aqui sem quaisquer pretensão monetária ou objetal, apenas a ação intensa deste, que é a “Conspiração” das palavras.

Por Leandro Galdino.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Fotografia desprovida de imagem

Alma desgoverndada,
a ladeira parece cada vez maior.
Movimentando energias com descargas inúteis,
e postergando sonhos.

Corpo desanuviado,
a lentidão parece custar mais alto a cada dia.
Os degraus se impõe sempre mais altivos
e o pueril já não explica mais atitudes.

Aura sobreçalente,
momentos de direção teatral.
Fotogrfia de um quadro hostil.

Sinergicamente, morada caminha,
para onde!?
Dialeticamente, os impulsos se movem,
por onde!?

Recortes de um tempo com espaço flutuante...

Por Leandro Galdino.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Flor de Ogã

Toques e lugares,
terreiros, verdades
Palavras em sonho,
versos encantos de fadas

Sonora beleza invade minha casa,
Sozinha menina amor em melodia.

Essa flor que me atinou
Esse tom que arrodeou
Essa flor de ogã iô iô
Esse baque é solto sim senhor

Esse tom se apresentou
Em noite de festa me apontou
Que essa flor é de ogã iô iô
E celebra mundo d’meu senhor

Em loas e mares,
costumes caboclos,
encantos e rezas
vestidas de branco,

No jongo e ciranda,
em frevos e cocos
Ouço a beleza de flor de ogã iô iô

Esse baque é solto sim senhor
Essa flor de ogã iô iô

terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobre os ciclos e seus reflexos

Fechando mais um ciclo
meu templo cria novas demandas
Faces saturadas pelo tempo
Por uma sociedade civilizada

Maravilho-me com a história do selvagem
Que descobriu galáxias inscritas em seus tecidos nervosos
Dispensando a notoriedade civilizatória de um sociedade falida
O andarilho "selvageou" todos os seus sonhos

Como é belo o selvagem
Que expressa suas emoções sem catástrofes pre-estabelecidas
Como é humano o selvagem
Quando na verdade o civilizado é a droga, o sexo e os antidepressivos

Quanto selvagem é o andarilho
que "quis querer"
Que naturalizou seus demônios

Conspirando aqui,
quando minha morada completa mais um ciclo
em torno de minha grande mãe,
desejaria ser um antílope
Que vaga
Que sonha
Que "selvageia" existências.

Ps. Estas palavras são inspiradas na maravilhosa e selvagem história de Alexander Supertramp, ou Christopher McCandless, etenernizada na sétima arte por Sean Penn.


Leandro Costa

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Sobre partidas inesperadas...

Quando saí daquela galeria não imaginava que as dores me acompanhariam por tanto tempo.
Retratos de um tempo hostíl, tatuados num áspero semblante.
Senti dores ao redor de minha face.
Não sabia o que acontecia.
Quando meus pensamentos entraram em concordância com o que de fato se apresentava, meus destinos ficaram estremecidos: chão não havia.
Sentimentos ocultos se revelaram presentes.
Tantas coisas, que até não eram importantes, deram lugar a um tipo de nostalgia mórbida, inesperada.
Catástrofes a parte, sem chão, sem linguagens próprias para um novo espaço,sem signos suficientes para me fazerem comum, caminhava na imensidão do silêncio noturno, divagando acerca de uma existência questionada pelo coração.
Enredo de uma metáfora indigesta, pude assim entender, ainda que precariamente, um pouco sobre uma partida inesperada....

Leandro Costa

terça-feira, 7 de junho de 2011

Cortejo Indigesto

Descendo ladeiras ao lado de ninguém
Corpo rolando ao longe
Cadeiras se espalhando
Desejando assentar-me

Ruínas se apresentam em minha face
Em meio a goles de veneno
Perfilo meus desejos
Quadros pendurados entre a cozinha e a sala

A epiderme em lágrimas
O caráter coçando
E a minha estupidez altiva
Me diz que não há caminho ao final de mais um dia

São palavras da salvação...

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Business the soul

Saindo de casa vejo rostos cansados.
Da vida, do trabalho, de seus contratos.
Acordos que não tinham ciência do conteúdo
quando assinaram.

Porquê não assinaram.
Fizeram isso por eles.

No traslado ao matadouro,
vejo sonhos correndo pelos rios da rotina.
Vidas jogadas nas calçadas de trabalhos que não realiza.
Reproduz.

Sócios de um negócio unilateral,
a escravidão urbana.

Andando pelos destinos diários de um dia quente
vejo sorrisos em meio a goles de aguardente,
ou cachimbadas, não faz diferença.

A dor é a mesma.

Mas os sorrisos não.

Contratos redigidos por quem está muito longe
e cobrados à quem não sabe ler.

A fatura vem no despertador às 05 da manhã.
Todos os dias.

Leandro Galdino

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Homem-rio, rio-humano

Por trás daquele vento azul, o semblante de Jasú configurava simbiose. Com o natural, com o enigmático.

Homem pobre, que em sua jangada velejava valores!

Amor, respeito, sonhos, tudo isso embalado pela poeira do caos, que o levava rio abaixo todos os dias.

Por cima daquela superfície afogada, Jasú edificou sua história, sem glórias, mas sobretudo, bela.

Com passadas poéticas, sua existência percorria os remansos de águas calmas e doces, Jasú sentia nos pêlos a cumplicidade com o rio. O rio sentia em Jasu confiança para se deixar navegar, e assim, não o atormentava.

Em cada gota de suor que compartilhava com o rio, o jangadeiro assim estabelecia uma permuta que os tornavam não somente cúmplices, mas geneticamente, emaranhados.

O homem e o rio, o rio e o homem, o homem e jangada.

Por trás daquele vento azul, ele testemuhara a sonoplastia de um ecosistema que lhe pedia ajuda, agonizava. E sem poder juntar-se ao rio em remédio, Jasu padecia.

Anunciava no corpo sua tristeza.

Momentos gélidos.

Silêncio em meio a multidão do nada.

Jasú era homem-rio, era rio-humano.

E assim jasú virou água, desceu-se às algas.

Por cima daquele vento azul, Jasú relê suas fontes, remessas ao léu.

O homem-rio.

O rio-homem.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Pequenez

Eu sou o Pequeno.

Triste e singelo Pequeno.

Foi assim que entrei na vida daquela velha,
num domingo ensolarado de feira.

Uma vida de duas vidas, cúmplices e parceiras.

Até a chegada daquela Pequena vida humana.

Finda assim uma Pequena vida de cão,
com a parada de um frágil coração,
guardado em um sombrio
bagageiro de avião.

Uma pequena,
frágil,
tolerável,
insignificante
e desumana.

Vida de cão.

Pela "Conspiradora" LABEDAVI

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Pretéritus Diárius ou "Comunicativus Obscurus"

De surpreendidos olhares
O Observador retornava à cena do crime.
Palco onde foram enunciadas profecias.
Midiáticas.
Ou calúnias teatrais, como queira!

De trejeitos surpresos,
o Anunciador, conspirador por natureza,
trazia à tona o que ficara por tempos
detido, escondido nos bolsos.
Como sorrisos adolescentes.

Tramas coloquiais de um existir hipotético.

Penumbra iluminista...

Ainda como antes o ar era insano.

Travestido de silêncio, sua convulsão existencial remetia aos primórdios de um tempo em que conclusões eram peças, tecidas por frágeis mãos.

O Observador assobiava...

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Análise incomum

Um adeus para nossas vidas
um pormenor ou outro apenas, causalidade imprecisa.
À nossas mais intensas cumplicidades;
um cumprimento.
Eis que deixamos um olhar oblíquo,
derramamento de formalidades, onde outrora afloraram nomes.
Para aquelas comuns noites um telefonema saúda felicidades,
caracteres criados pela “zoziedade”, não por você.
Aos momentos de desentendimentos, nada resta, pois não há entendimento.
Às dissimulações, restaram novas técnicas.
De comum acordo deixemo-nos apenas o agora.
Nada existiu.
Ponto.
Confessemo-nos.
Não somos atores.
Somos autores de nossos solstícios e equinócios astrais.
Não mais nos qualifiquemos a tal mediocridade humana.
Não nos submetamos a devaneios, assazes e pequenos,
Oh, Consciência!

Por Leandro Galdino

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Sobre os endereços da alma (ou sobre destinatários ocultos)

Ao que nos indica, nosso personagem nesta fatídica novela existencial não era figura das mais sorridentes, não mesmo. Ao menos a partir de quando sua alma fora marcada por destinatários ocultos.
Sujeito macambúzio por natureza, era homem de poucas palavras e trejeitos singulares, que carregaria por toda sua existência. Algumas pessoas diziam-no inquieto e sempre incomodado, talvez com ele mesmo, talvez com o macrocosmo determinando seu microcosmo. Certo era que algo em determinado momento da sua pacata vida passou a incomodá-lo.
Nascido numa pequenina cidade, de ares interioranos e poucas novidades diárias, José da Anunciação foi criança tranquila, contavam alguns vizinhos. Embora criado pela avó, desprovido do calor de pai e mãe que desguarneceram-no cedo, parecia não carregar uma problemática existencial por isso. Foi menino solto para as peripécias que a idade exige, e por várias vezes, aparentemente feliz.
Uma vez até, mesmo com toda a timidez do mundo escondida nos bolsos, durante a adolescência convidou Claudinha, vizinha rechonchuda que despertava seus maiores desejos, para ser seu par nas festividades juninas. Aceitar a “Monalisa” não aceitou. Mas José ficou contente por pelo menos ter convidado, quebrara uma barreira significativa.
Já adulto, embora com bigodes mornos de uma recém chegada à "macheza testosterônica", debruçou-se por vários trabalhos solícito ao cumprimento da máxima marxiana: a realização do ser pelo trabalho. Insatisfeito com todas experiências de até então, conseguira aprovação numa seleção para a ocupação de carteiro logo aos 20 anos de idade, tarefa que lhe empolgara por algum tempo. Pela primeira vez faria algo em que se identificasse.
A cidade de nosso personagem, "ensaio de São Gabriel Arcanjo", era muito pequena e não tivera entrega dos correios durante muito tempo. As mais diversas postagens eram remetidas até Gangorra, distrito localizado a poucas léguas do lugar. José foi o primeiro carteiro da cidade e, após algum tempo, foi apelidado 'Zénuncio'.
Isso não o incomodava muito. Zénuncio era daqueles sujeitos que desenvolvera certo desprezo pela vida coletiva, achava que sempre quando em grupos as pessoas ou falavam mal de alguém ou tramavam contra algum infeliz.
Zé saia de sua casa no Buraco da Promessa e se metia às suas peregrinações pela cidade, dignas de registro. Com o passar do tempo seu labor passou a ser marcado por uma mística intrigante.
Todas as segundas quintas do mês, por exemplo, era dia de levar o contra-cheque do seu Roque, vigilante aposentado da escola onde estudara. Para chegar até lá Zé tinha que passar pelo campo do brejo. E ali algo despertava sua atenção!
Toda vez que por lá empreitava um tiziu cumpria sua predestinação natural; lá estava ele empoleirado nos mourões a pular rapidamente e retornar ao seu galho. Este ritual marcava seu território para que outro pássaro não se acabrunhasse e servia para que o animal se demonstrasse às fêmeas.
Todos os dias em que seu Roque era o destinatário o tiziu presenciava Zénuncio desaguar seu existir. Imponente e veloz, o animal demonstrava-se com rigor para as fêmeas de seu reino. Um pulo rápido, veloz e certeiro: voltava para o mesmo lugar. O dia inteiro assim. Sol. Chuva. O que fosse.
Nestes dias o animal era confidente do carteiro e ouvia suas queixas, desejos, maledicências, ali o carteiro era o corifeu. Pulando pra não correr o risco de um concorrente sujar seu território, o tiziu seguia na oitiva com o carteiro.
Zé tinha naquele ritual um exemplo de posição existencial, uma marca, ou um endereço da alma, para conjugar com o título do nosso enredo. Por vários destes momentos Zénuncio se perguntava qual seria o endereço da sua alma, da sua pobre alma. Se perguntava como podia saber tantos endereços, tantos trejeitos, minúcias e etc. Mas de outras localidades, não da localização da sua alma.
Desconfiado, o carteiro tinha certo receio de que o dia em que o ritual não acontecesse algo estaria fora do lugar no caos. No mais perfeito equilíbrio algo estaria desequilibrado. Talvez neste dia o caminho ficasse desacertado e confuso, e talvez ainda, não pudesse encontrá-lo. Num breve futuro descobriria que não estaria errado.
E assim, tempo passando, o solitário Zénuncio entregava todas terças e quintas as correspondências da cidade inteira. Em especial, as segundas quintas do mês também confabulava com o tiziu no campo do brejo, ali edificara sua espécie de caserna.
Via as pessoas se alegrando com notícias de parentes distantes, pessoas tristes com notícias do mesmo tipo, lágrimas, sorrisos, alegrias e etc. Zénuncio era meio que cúmplice de várias situações que estavam porvir. Lógico que não na sua vida, não era tão pretenso, mas na vida de terceiros.
Certa feita bateram na sua casa às 11 da noite! Era dona Eliotéria disposta a certificar-se que Zénuncio havia entregado todas as correspondências e não sobrara nenhuma em sua pasta escudeira fiel.
Seu filho havia prometido mandar uma réplica de Nossa Senhora do Livramento para ela. Zénuncio atendeu, meio que a contragosto e sonolento:
- Ô meu fio, perdoa essa pobre, sabe... mas é que meu fio, lá de Sant'Antão, sabe, o Neco, é, pois é... ele ficô de mandá pra ieu uma nos'senhora do livramento, será assim, cê mi descurpa perguntá Zé, mas será que ocê num se esqueceu de me levá não? Zénuncio levantou bravo mas não destratou a pobre, imaginou sua avó no lugar, encolheu sua raiva nas mãos friorentas e explicou à velha que não havia chegado nada para ela, e que, como de costume, entregava todos os mandados no mesmo dia, sem deixar nada pra trás.
Tranquilizou-a falando que certamente na próxima entrega estaria lá, a Santa, e que seria a primeira felizarda do dia a receber a correspondência. Satisfeita, ela pôde ir e ele desfrutar da tranquilidade divina dos sonhos.
Com o passar dos anos nosso mensageiro foi ficando mais inquieto ainda. Já não podia entender como entregava tantas notícias à tantas pessoas e nunca recebia uma sequer. Nem mesmo uma pequena pista de seu questionamento, nenhum rastro do caminho que procurava. Passava pela sua cabeça que ninguém poderia ser tão esquecido quanto ele. E logo ele, que se lembrava de todos os destinatários. Lembrava-se de todos, todas as terças e quintas, e ninguém se lembrava dele.
Uma vez ao mês entregava na casa de um hondurenho, morador da cidade há anos, uma caixa retangular e relativamente pesada, e isso despertava no carteiro uma curiosidade tal que chegava a nutrir admiração pelo cidadão.
Toda vez que chegava a casa de Poncyo Arcádia com a caixa ele lhe contava “estórias” de como veio parar nos trópicos, devido à perseguição estadunidense. Segundo o pobre, tinha participado da revolução sandinista na Nicarágua e, deflagrada a contra-revolução, sido perseguido por “novos inimigos”. Contava com seu sotaque carregado a chegada à Manágua no 19 de julho de 1979, com riqueza de detalhes tal que faziam o carteiro fotografar toda a “estória”.
O estranho é que por mais que as vezes parecessem lorotas do centro-americano, ele sempre trajava roupas militares e uma vez ao mês recebia a caixa. Isso intrigava Zénuncio e também despertava sua imaginação. Como seria uma revolução e quem seriam os sandinistas? E os inimigos? Seriam munições nas caixas? Quando ficou sabendo que o cidadão foi diagnosticado louco e internado numa colônia a sua revelia, Zé ficou um pouco frustrado, queria muito que fosse verdade, acreditava que fosse verdade.
Com o tempo, nem mesmo o “debate” com o tiziu pôde amenizar a problemática existencial que caíra, ou que armara para si mesmo. Se não havia destinatário poderia haver remetente? O porquê era sua indagação diária.
Por muitas vezes passou pela sua cabeça que alguém que não recebia notícias de nada, nem de ninguém, assim como ele, só poderia estar morto. Zénuncio cansara-se de esperar. Seus já grisalhos cabelos não podiam mais esperar pelas tão sonhadas notícias de si mesmo!
Certo dia Zénuncio desenrolava mais um dia de trabalho, mais uma segunda quinta do mês, onde com certeza um indivíduo de mais uma geração da família dos “tizis confidentes” fosse esperá-lo. Mas algo estava errado no caos. Naquele dia o tiziu não pulou marcando seu território, naquele dia alguma rarefação no ar denunciava que o dia não seria tão banal assim. Aparentando estar confuso o pássaro sequer se mexia. E atônito o tiziu demonstrava nos olhos uma expressão de loucura, de que algo calamitoso passava-se. Zé foi embora intrigado, recordando como eram joviais os tizis em seu pulo, em remeter-se ao seu endereço.
Ao retornar à central de distribuição de correspondências, abatido pelo sinal do pássaro, seu colega Geraldo Tarantino, carteiro demasiado obeso que não saía para entregas devido aos seus problemas com as biritas, disse que algo havia para ele na expedição: era uma correspondência.
Todo um filme apresentara-se à cabeça do pobre carteiro. Seria uma carta de alguém que se interessara por ele? Será que podia ser Claudinha, agora uma senhora mais rechonchuda ainda que tinha os mais belos “mocotós” nas pernas da cidade? Ou será que podeira ser algum programa de televisão que o descobrira por indicação de um “cliente” satisfeito. Seriam pistas que remetiam às suas indagações? Mil filmes se passaram na cabeça de José da Anunciação, fiel cumpridor da sina de São Gabriel Arcanjo.
Depressa, mais que depressa, ele se dirigiu ofegante para a expedição a fim de receber a sua correspondência. Sua correspondência! Isso mesmo, era sua, e com certeza algo o esperava.
Mas o doutor destino, cruel definidor de outras conspirações, fez com que “Sua Correspondência”, aquela mesma, fosse uma carta do instituto de previdência notificando que os seus soldos estavam bloqueados, pois notificaram a morte de um tal José da Anunciação. Se não fosse cruel seria cômico.
Zénuncio passou a se indagar se de fato não estava morto, se de fato existiu. Não se empenhou em provar que estava vivo e passou viver como um andarilho pela cidade. Sem a confidência do tiziu, mas com a certeza da dúvida de se um dia vivera de verdade.
Certo é que outras entregas ele não pôde fazer, pois não havia à quem remeter. Fato é que José da Anunciação foi invadido por destinatários ocultos e o endereço de sua alma passou a ser vago, incerto, próprio do destino de um andarilho.

Por Leandro Galdino

sábado, 25 de setembro de 2010

Napalm quatro três

Napalm quatro três


Brota poesia
na algazarra do pensamento,
estruturas multicelulares
(re)combinando-se ao sabor do caos;

convencido de sua inutilidade
busca(re)organizar-se,
romper a velha casca.

Agulhas correm nas veias
insiste, desmotivado coração
em banho maria,
outro discípulo do orgulho

sem medo de jogar,
não há nada a ganhar
nunca houve.

Tudo em todos caminha
inconsistente e inesgotável
lágrimas, enchem oceanos

romper a velha casca;
séculos digeridos
restos do tédio dominical,
estúpida vaidade,

na televisão, abutres pedem carne
fazem guerras, pra vender jornais
lento, tudo caminha
romper a velha casca.

Por Guilherme Araújo

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Crônica de um passeante comun

De andada por esta quente e degradada morada as vezes penso no que querem pra mim.

Penso no quanto me querem felizes, o quanto me desejam socialmente domado. Curioso fato é que nunca me perguntam, ou me perguntaram, se quero ser domado, se quero se incluído ou se desejo que desejem pra mim.

Para início de prosa digo que, se ser feliz é empregar minha assinatura abaixo de um projeto que não tem projeto, digo que muito obrigado, mas não.

Se ser feliz será ter dois carros na minha imensa garagem de poucos metros quadrados e passar fins de semana economizando vida pra pagar o sonho americano, digo não.

Talvez eu queira a prosa de uma terra diferente, como a que nasceu "mineira". Talvez ainda, eu simplismente queira não querer o sonho.

Talvez queira poesia, passáro, água, contemplar uma árvore em chamas no cinza da morada insustentável.

De passeio por aqui talvez não queira acumular, ou melhor, com certeza não quero acumular. Assentar meu espírito em algo que não posso ver, sentir, tatear, ou até mesmo "puetizar".

Não!

De passeio por aqui talvez decepcione alguns por isso, talvez crie frágeis expectativas nos mesmos.

Certo é que eu não quero o ruído, quero o sonoro.

Certo é que não quero preto e branco e sim o multicolorido.

Certo em mim é que não me atrai as palavras doutoras e sim as mais belas, que me empreguem um quantum de adrenalina.

De passeio pela morada em chamas talvez não leve meu filho ao melhor parque de diversões, mas com certeza conversarei com ele sobre o respeito que merece a população de rua, e diga ainda, porquê os amigos de sua escola e seus pais são tão idiotas.

De passeio por aqui, não morro para acumular, morro para passear, o único certo passo é este...

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

NI

Dentro de você procuro a cura
pra uma doença que inventei,
procuro a paz
que você nunca conhecerá.

Dentro de você um jardim
de ervas daninhas, um jardim
que ninguém cuida desse jardim
frutas apodrecendo...pra sempre.

Dentro de você mil vozes ecoam,
no deserto ecoam mil vozes,
mil mascaras mil desculpas,
um belo telhado sem alicerce.

Dentro de você sabores inimaginados
a esmola de hoje garante a fome de amanhã,
dentro de você respostas sem perguntas
o olho do furacão maior que a barriga.

Dentro de você claro como dias ensolarados;
se o sexo fosse uma religião
se o dinheiro trouxesse felicidade
se o sonho não acabou.

Dentro de você quente como o inferno
frio como a cidade
dentro de você....



Pelo Conspirador Guilherme Araújo

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Todo dia

Caminho tranquilo entre fantasmas,
quem fez o gol do jogo
que não tive tempo pra assistir?
Regurgitam ladainhas pra ouvidos de cera.

Pressa no café,
veneno no almoço
enfrente a fila,
pague.

Bundas, bundas, bundas,
quem não quer curtir a vida?
Quem não quer ficar bonito?

Fantasmas passam o dia todo
em botequins fodidos e a música
é um barulho qualquer,
um tira gosto qualquer.

Não preciso de motivos pra sorrir
talvez não seja assim tão difícil
caminhar com todo o lixo que
jogamos em ruas imundas.

Lixo que transformo em arte
enquanto meu sangue ferve...

"Conspirador" Guilherme Araújo

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Pequeno

Eu sou o Pequeno.

Triste e singelo Pequeno.

Foi assim que entrei na vida daquela velha,
num domingo ensolarado de feira.

Uma vida de duas vidas, cúmplices e parceiras.

Até a chegada daquela Pequena vida humana.

Finda assim uma Pequena vida de cão,
com a parada de um frágil coração,
guardado em um sombrio
bagageiro de avião.

Uma pequena,
frágil,
tolerável,
insignificante
e desumana.

Vida de cão.

Pela "Conspiradora" LABEDAVI

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Pretéritus Diárius ou "Comunicativus Obscurus"

De surpreendidos olhares
O Observador retornava à cena do crime.

Palco onde foram enunciadas profecias.
Midiáticas.
Ou calúnias teatrais, como queira!

De trejeitos surpresos,
o Anunciador, conspirador por natureza,
trazia à tona o que ficara por tempos
detido, escondido nos bolsos.
Como sorrisos adolescentes.

Tramas coloquiais de um existir hipotético.

Penumbra iluminista...

Ainda como antes o ar era insano.

Travestido de silêncio, sua convulsão existencial remetia aos primórdios de um tempo em que conclusões eram peças, tecidas por frágeis mãos.

O Observador assobiava...

terça-feira, 6 de julho de 2010

Solidificação Poética

Feito nuvem puída
meus olhos marjeiam tua natureza,
e desejando envolver-te,
Luz morena se projeta em caminho vertical

Tua sombra se impõe
teu calor me enrijece,
Enaltece meus domínios

O calor da calma me desertifica
se faz presente,
Reseta meus desatinos

Feito sons dispersos
meus ouvidos flutuam no hemisfério
de um tom calado
Suspiral,
Susurrado!

Se Manuel fosse
Sombra-Boa me acalmaria
completaria meu sol

Se Neruda fosse
Pescaria luz caída,
no Poço,
E cataria sonhos

E se,
Lirinha fosse,
oraria à chuva
para em um líquido dia,
enxaguar meus desejos.


Leandro Galdino

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Debaixo de tempestade

No frenesi de mais um dia sem sentido

Se perguntou porque deixou passar batido

Não encontrou quem procurava no espelho

Na cartola não havia nem um coelho

Continuou, apesar do sinal vermelho...

O vai e vem em vão

Em qual esquina o paraíso perdido

Os mesmos rostos lhe surgiam num filme repetido

O mesmo gosto de um filme repetido

Se conselho fosse bom viveria de palpite

O seu deus se chama umbigo

E não há outro em que acredite

Mastigando as horas, apressado e sem apetite;

Descobriu que paciência não tem limite

Andava em círculos, pois nascera quadrado;

Na tv outro alguém chorava o leite derramado

Não saia daí...Depois dos comercias, voltaremos com outro enlatado...

Andava em círculos com seu olhar quadrado

Afinal, o quê empurra essa cabeça;

Que o sol cozinha antes que anoiteça?

Ainda não inventaram lei que se obedeça

Aplicando rasteiras em cobras e sacis

Se dizia dono do próprio nariz

No frenesi atrás de um final feliz

Fumaça e stress entopem as veias da metrópole

Encontre o coelho branco, Alice!

Quem chega primeiro não lembra do vice

Aperte o passo ninguém ouviu o que você disse

Um boi pra seguir a boiada

Blefando num jogo de cartas marcadas

Quantas vezes sorrir da mesma piada?

Cumprindo tabela com jogada ensaiada

A torcida grita gol no país do futebol

Debaixo de tempestade procurava um lugar ao sol

Na ladainha da cidade dinheiro não compra semancol



Conspirador Guilherme Araújo

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"Tramas acerca do complexo da existencialidade"

Se o trafegar por este mundo fosse puramente poético, não existiriam nestes combalidos pulmões, tanta inquietação.

E mesmo sendo contraditório dissertar acerca do complexo em “Conspirações Poéticas”, me proponho a “puetizar a complexidade”.

Quando me deparo, e não são poucas vezes, com todo suor de um frio mundo, sou obrigado a batucar poesias.

Obrigado a notificar o arquiteto sobre meus desatinos. Nem sempre finjo ter a paciência de Lenine!

Nem sempre me domina a clarividência, apesar de o dedejo ser este!

Inquieto fica este pobre coração, com a exigência de tanta perícia para proferir um sorriso.

Inquieto caminha este solitário pensamento solícito a bem-aventurança.

Acorrentados por um cotidiano terrorista, os meus presságios não sentem facilidade alguma em se mostrar para a pobreza humana, para o saber ultramoderno do padre que se masturba orando, ou do pastor que reza molestando uma criança.

Foda!

Por que se não fosse complexo faria como essa pobre juventude, que sexualiza até mesmo os seus passos, que sorri para o caos.

E de braços cruzados tomaria algumas "Originais", na lama, no passeio terrestre.

Então, predestinado a sonorizar o belo, quero fazer do complexo, poético: introduzir-me a inter-poli-trans-existencialidade!

Conceito tecido em “Conspirações Poéticas” para acrescentar às definições racionais algo que nomeia o “complexo-poético”.

O existir-respirar comprometido com o "puetizar-conspirar".


Leandro Galdino

terça-feira, 8 de junho de 2010

Depoimentos para breves almas

Se em dias de refúgio meus destinos ficam mais voláteis,
os meus sentidos, à mesma velocidade, ficam mais aguçados.

Não existem olhares que me façam retroagir.
Nem mesmo os maus olhares, aqueles mesmos, diurnos... maus olhares!

Tentativas inúteis, em que demônios instalados no meu espaço laboral,
em almas retorcidas, caquéticas, tentar se espaçar em meu caminho.

Se em dias de naufrágio existencial meus olhos ficam mais inchados,
os meus domínios tornam-se mais eretos, mais íngremes.

Se em momentos chuvosos minha carapaça se retorce pelo frio,
nestes mesmos momentos minha estrutura se anuncia veloz, assaz, com uma força inumana.

Se me é permitida a "Conspiração", tramo a favor da vida!

Leandro Galdino

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Espíritos, quarks e a máquina universal

Fiquei muito feliz em ler seu texto, certamente, esse tema rende muito pano pra manga, como diz o ditado, entretanto, nos possibilita também a oportunidade de grande crescimento, de rever conceitos, enfim, encontrar novos paradigmas.

Como disse, o nobre amigo: “Conspirações Poéticas” é não tergiversar, então, sem mais delongas, permita me convidar dois brilhantes “espíritos”, para enaltecer nossa humilde reflexão, citarei frases memoráveis desses dois gênios, em seguida, pretendo tecer algumas considerações sobre o assunto. Obviamente, esse texto é uma visão pessoal.

“Deus para a felicidade do homem criou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e casamento com amor.” Machado de Assis

“A ciência sem a religião é manca; a religião sem a ciência é cega”. Albert Einstein



Pois bem, utilizei as citações acima com o intuito de falar sobre a infinita limitação humana, como algo inerente à própria existência do homem em busca da verdade.

A verdade que liberta como disse o mestre; onde está essa verdade? Entre tantas soluções milagrosas, boas intenções, promessas de fim de ano, furos jornalísticos, avanços tecnológicos, comodidades da vida moderna, direitos do cidadão e slogans oficiais. A jóia esta no coração do lótus, a iluminação está em tudo, diz o mantra budista.

Apesar de toda a ladainha em nome do progresso, a fome permanece a fome de tudo (salve Nação Zumbi), infalível, como a fome do chão que vai te engolir.

O mundo está cheio de sofrimentos, nascer, crescer, envelhecer, envolvem muito sofrimento, ficar doente, broxar, tomar um chifre, não conseguir convencer aquela bela morena de que você não é igual aos outros, não assistir ao show da sua banda preferida, ver o seu time tomar uma goleada, contas a pagar e outras pequenas desventuras, a vida que não está livre dos desejos é refém da angustia, eis o que se chama de a Verdade do Sofrimento.Isso é budismo, meu caro.Mas parece que já ouvimos isso antes, concorda?

Por mais línguas que existam na Torre de Babel ou pra usar um termo atual, na nossa aldeia global, a verdade é uma só, os ensinamentos do Buda Gautama ecoam nas palavras de Jesus Cristo, Hermes Trismegisto, Lao Tse e tantos outros, todos falaram a mesma coisa com palavras diferentes. DETALHE: Ninguém tem que acreditar na verdade.

Por que começamos esse debate? Naquela bela manhã de domingo no meio de uma conversa sem grandes pretensões, quando declarei não sei por qual motivo a afirmação de que todos têm o dom da mediunidade, parece que sua cerveja não desceu redonda como de costume, como bem lembrou o sagaz amigo, não chegamos a declarar guerra, todavia, horas depois, ninguém ainda havia marcado um gol.

O inoxidável amigo diz que foi tratado com cético, não vejo que mal a nisso, uma vez que agiu como tal.

Entretanto, me parece que existem alguns entraves que talvez possamos esclarecer nessa empreitada conspiratória:

Primeiro; mediunidade é somente capacidade humana de estabelecer contato com espíritos desencarnados, gente que já foi dessa pra uma melhor ou não. O amigo questiona se de fato todos teriam tal faculdade ou presunção, como preferir.

Segundo, não entendi, quando o metódico amigo diz que afirmei que a mediunidade é uma resposta para a questão divina. Mesmo porque essa afirmação não responde nada, aliás, propõe novas perguntas.

Está cientificamente comprovado o equivoco de uma pretensa superioridade ariana, geneticamente falando, um africano é exatamente igual a um dinamarquês, mesmo assim, não resolvemos à questão do racismo e consequentemente a desigualdade abissal entre os povos.

Todos possuem a capacidade mediúnica? Sim. Pelo simples motivo de que Deus deu a todos os homens uma dimensão espiritual assim como fez todos os homens iguais, fato irrevogável. O que não quer dizer que um texano tenha que acreditar que é igual a um negão da Louisiana.

Naquele dia, mesmo com a ajuda da sua sempre simpática cara metade, não consegui encontrar um exemplo convincente para esclarecer a questão, hoje, obviamente, depois de muito refletir, acho que encontrei uma boa analogia.

Suponha que eu tivesse afirmado “todos temos o dom da leitura”, isso não quer dizer que todos nós, doravante, somos ou seremos leitores vorazes, assim quando digo que todos têm o dom da mediunidade, não quero dizer que você vai começar a fazer download de qualquer alma penada que estiver de bobeira no pedaço.

Assim como a leitura exige um treinamento para sua fruição, exercer qualquer uma das várias possibilidades da mediunidade exige considerável esforço.

Concordamos que se existem vários tipos de leitores, certamente, existem vários tipos de médiuns.

Quanto ao fato, dessa crença ser uma ideologia, posso dizer que: ideologia eu quero uma pra viver, hoje a ciência já é capaz de analisar a matéria além dos quarks flutuantes, vivemos num mundo feito de probabilidades quânticas.

Você sabia que nosso cérebro é praticamente água condensada?

Espero que possamos enveredar por novos temas espinhosos...

Manda um beijo pra sua digníssima cara metade.

Aquele abraço, mano.


Guilherme Araújo

OS: Só pra esclarecer meu casamento foi realizado num terreiro de umbanda.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Sobre o plano divino e as ideologias: das respostas às “experienciações”

Incumbido da conspiração diária, e professo a cumprir tal demanda, trago algumas considerações quanto a um debate interminável.
Longe de pretender dar respostas, verso sobre uma questão espinhosa, que se não fosse de matéria enigmática, não seria, divina.
Antes de mais nada, tenho que manifestar que o conhecimento de que falo parte de uma visão de mundo. Mundana para ser mais exato. Toda e qualquer interação entre os argumentos e um possível estudo aprofundado sobre o tema, terá sido mera coincidência.
Acalorado nas palavras e nos gestos, estávamos eu e o conspirador samurai a circunscrever posições quanto ao espírito, e ainda que tenhamos empreendido boa dose de tempo, as possíveis argumentações foram desafiadas ao campo das “Conspirações Poéticas”.
Longe da convergência, mas tampouco perto da batalha, entre as seis cervejas consumidas num belo fim de manhã dominical, este, minha alma feminina e o samurai, nos enveredamos pela discussão a respeito do divino, evidente que fácil e menor tarefa não seria.
Durante o relato do seu recente enlace matrimonial efetivado num centro de candomblé (ou umbanda, não sei dizer exatamente), nosso amado oponente sugeriu que todos os seres possuem “mediunidade”. Aí a coisa, não sei como, tomou proporções eleitorais.
De pronto questionei, e imediatamente, fui amplamente solicitado a prova. Convidado à exposição, vamos aos argumentos.
Primeiramente, cabe colocar que não se trata de ceticismo, e que, o cerne da questão não é “a crença” e nem a “manifestação”, e sim, o poder de se afirmar.
Partindo do pressuposto de que uma “mediunidade” se refere à um desenvolvimento espiritual que compreende a interseção de seu espírito com outros espíritos, questionei meus considerados se realmente todos os seres têm essa presunção e porquê? E ainda assim, se é ou não verdade, não é o problema. O eixo da refutação é: quem pode afirmar que é assim.
Segundo nosso estimado colunista toda a matéria é dotada de tal proeminência, e por assim dizer, todos somos “médiuns”.
Inicio minhas considerações sobre o ponto de vista de que uma determinada opinião, e portanto a referida questão, não pode ser senão ideologia. De bate pronto este conspirador foi tratado como cético.
Quando digo que se trata de ideologia afirmo que sendo o divino uma experiencia notadamente individual e íntima, só pode estar inscrita no campo da opinião, e assim sendo, aliada a opiniões convergentes, estará inscrita no plano da ideologia.
Quero por assim dizer, que responder a questão do plano divino seria a afirmação de que uma resposta para tal assunto é admitida. Se assim o fosse, não precisaríamos de respostas! Pronto! Estaria explicado toda e quaisquer interrogação sobre o assunto. Ledo engano.
Daí afirmar que sua manifestação é uniforme, ladeada por um mesmo sentimento e compreensão que rodeia a todos, seria dar a resposta que não tem resposta, era isso que queria dizer meu amado: não existe resposta e esse é o mistério da fé.
Seguindo o debate, fui argumentado de que a fé é cega e é lógica estabelece que a relação espírito/matéria impõe e responde a afirmativa em questão.
Vamos lá: se a fé é cega como pode haver lógica em alguma afirmativa sobre o assunto. Não vejo resposta coerente nisso. A fé é o contraponto da ciência! Para o campo da ciência existem respostas, mas no que se refere ao plano divino, somente considerações, expressões, “experiênciações”, e portanto, meu caro, opinião.
Até a razão é tida como ideologia, a metafísica é. E nem por isso podemos afirmar serem “fim”, serem ponto final.
Somente nós provamos o que sentimos, os outros não, o que fugir disso é “o estabelecido”, e assim, opinião e ideologia, de seres que se organizam em torno de um consenso. Mas um consenso “dos seus”.
Como afirmar que em todos os lugares, em todas as culturas, que todas as individualidades tem a mesma “experienciação”.
Na certeza de que não terminaria por aí, e na certeza que não terminará por aqui, despedimo-nos, eu e minha metade, com o compromisso de conspirar a respeito. E, depois de seis longas cervejas, muito argumento, algumas pequenas animosidades, só mesmo uma galinhada suculenta, com o tempero do Cabral, para alimentar este pobre argumentador.
Alimentar o corpo, porquê a alma já estava lisonjeada com tamanha atenção a seu respeito, não que não mereça, mas o debate é raro nestes quentes dias de terceiro milênio.
Bom, “Conspirações Poéticas” é isso, é não tergiversar!
Então esperemos que a dialética se faça presente e sintetizemos algum encaminhamento.
Se nós não manuseássemos, não ousaríamos tentativa mais inútil.

Leandro Galdino

sábado, 1 de maio de 2010

Sobre um amor “drumondiano”

Sobre um amor “drumondiano”

A vida parece mesmo um emaranhado de surpresas. De situações adversas. De sentimentos subversivos e, sobretudo, um campo onde reina o inesperado. Com Pretinha e Ramirez, nossos heróis nestes parágrafos, não seria muito diferente.

Há não mais que uns cinco anos atrás eles se conheceram, mais uma das peças do “dr. destino”. E mesmo numa situação inusitada, onde seus olhos chafurdavam em terrenos estranhos à procura da sobrevivência diária, seus rostos se entrecruzaram, num frenético, amoroso, sensual e estranho flerte.

Talvez não seja muito comum corpos tão dispares, numa sociedade onde reina um conceito de belo que não é real, se apaixonarem de uma forma tão súbita. Claro que não é condição ‘sine qua nom’ que tenhamos corpos sarados, como os semideuses para sermos amados, mas era no mínimo, diferente.

Pretinha era bem maior que Ramirez e também muito mais velha. Na verdade, ela já era uma senhora. Querida por todos da vizinhança, ela atravessava a rua com uma elegância incomum, exuberante e segura, alheia ao transitar de todos os carros. Sempre vinha alguém cumprimentá-la e insistir em ficar alisando-a, o que a tirava do sério e deixava nossa heroína um tanto constrangida. Embora fosse difícil concluir, ela parecia estar sempre sorrindo.

Ramirez já era mais estabanado, andava sempre de lado e meio que capengando pela preguiça. Acho que o fato dele ter vindo perdido lá das bandas do “Troca-Tapa”, lugar não muito abastado socialmente, pode ter influenciado.

Ele era um baixinho muito preguiçoso, vivia dormindo dentro da lan-house, disfarçado, com os olhos entreabertos. Na verdade mesmo, ele gostava muito do nome que tinha, ele achava que Ramirez tinha uma sensualidade latina, que lhe proporcionaria vantagens nas conquistas diárias. Nosso herói era um tanto quanto convencido, as vezes mesmo estando sozinho, tinha certeza que alguma cadela poderia estar o observando.

A vida dos dois se cruzou meio que por acaso, mas foi mais ou menos uma forma “drumondiana” de conhecer o amor. O coração para de funcionar por alguns segundos. O brilho emerge nos pretos olhos, e de repente, toda uma vida se apresenta, inerte, num poético flerte o futuro se consagra. O amar é a única forma de ser feliz!
E depois de minutos os dois já se amavam. Ele não se importava pelo fato dela ser uma cadela. E ela não se importava por ele vir do “Troca-Tapa”. Traçava-se aí uma bela história.

Era muito comum vê-los de um lado para o outro, atravessando amorosamente a rua. Indiferente aos perigos de um vai-e-vem metropolitano, e sempre enfeitiçados pelos toques do amor.

Ramirez era meio metido à valente e insultava quem ousasse chegar perto de sua “dama”, ou cadela... Ou senhora... Não importa! Quem se metesse era colocado pra correr.

Certa feita Pretinha sumiu, foi dar umas voltas pelos lados da “Sapolândia”. Lugar meio insólito e tido como hostil a uma jovem senhora como nossa heroína. Pretinha teve que dormir fora, ficou meio tarde pra voltar. Ramirez quase morreu do coração, chegou a pensar que a carrocinha, terroristas de marca maior, tinham levado seu amor, ensaiou algumas lágrimas, mas era durão demais pra se entregar em prantos, mesmo que fosse pela sua “Lessie”. Depois tudo se resolveu, ela chegou por volta das cinco da manhã. Ramirez botou banca que ia terminar tudo, que não ficava bem pra uma senhora chegar nessa hora da manhã, mas foram “latidos ao vento”. Logo depois os dois estavam dividindo uma bela porção de banha que o magarefe Benevides servia ao casal toda manhã. Ficou tudo como uma segunda lua-de-mel. Na verdade Pretinha tinha sempre um trunfo na mão. Ramirez nunca ofereceu a ela uma coisa mais séria. Sempre era um rolo. E nas brigas ela sempre dizia: - Quem gosta assume! Ela sempre dizia que por ser mais velha ele não tinha coragem de lhe dar casa e filhotes. E ele não tinha o que dizer. Apesar de todo amor, ele era um cão vadio.

Mas voltando ao começo, a vida é sim um campo onde mora o inesperado, onde futuros e amores podem se construir e se diluir no talvez, em minutos. Um campo onde nem o amor é sustentação para um futuro.

Mais um dia em que Ramirez vadiava pela lan-house, mais um dia que seus olhos tremiam de tanta preguiça. Mais um dia que seria um dia comum. Parece que às vezes prevemos certas coisas.

Pretinha, mais uma vez dormiu no condomínio do bairro, onde todos os dias o universitário abria as portas para que ela pudesse começar o dia. Neste dia ela olhou tacitamente Ramirez, e quase uma lágrima rolou pela sua desgastada face. Ela ficou emocionada ao ver aquele “belo rapaz”. Eu, particularmente, acho que no dia de morrer as pessoas ficam meio que “belas para a morte”. Belas para um momento solene.

Ramirez, mais um dia, mais uma preguiçosa alvorada. Ao atravessar a rua ele não viu que o ônibus escolar vinha meio que desgovernado e muito veloz. Todos os dias ele passava no mesmo horário, que não era de muito movimento. Mas esse dia estava diferente. O ônibus pegou o Ramirez em cheio, ele rodopiou umas cinco vezes até cair sangrando no meio da rua.

Pretinha do outro lado olhava inerte. Acabava seu “amasiado” amor. Morria sua jovem paixão.

Ao amanhecer do dia seguinte o universitário não achou nenhum dos dois para dar-lhes a liberdade diurna. Na noite anterior, sua filha tinha comentado que o escolar dela tinha atropelado um cachorro e que o motorista nem mesmo parara para prestar o socorro ou ver o que havia cometido. Era só um cão. Era Ramirez.

O universitário quis chorar. Mas não podia se comover por um casal de vira-latas. Sua vida cientificista não permitiria. Mesmo que esse casal vivesse uma história “drumondiana”.

Pretinha anda muito depressiva. Acho que não vai suportar. Ela já não come as guloseimas que o magarefe Benevides lhe dá.

Leandro Galdino

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Eremita

"Conspirador" Guilherme Araújo


Eremita



Numa noite indiferente,

saiu pra beber com o diabo

sem pressa, a cidade apodrecia;



da boca pra fora

pregava revolução

um dinheiro no bolso

nos olhos um cansaço.



Queria a paz mundial.

Queria um amor sincero.

Queria dignidade.

Queria quase nada.



Condenando o mundo ao abismo,

caminhava, como caminham os escolhidos,

caminhava, como caminham os iludidos,

falava em pretérito imperfeito.



Ninguém te salvará:

tempo demais pra passatempos

sonho demais pra acordar

boca demais pra saciar.



O diabo acendeu um cigarro.

Naquela esquina qualquer, uma qualquer

conversa sem rumo numa noite indiferente.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Respostas - "Conspirador" Guilherme Araújo

"Conspirador" Guilherme Araújo


Respostas



No espelho, procurava alguém

angustiada alma refém da carne

bebera uma tempestade num copo d’água

entre tantos sapos na garganta dilatada.



No espelho, olhos apáticos;

sonhos murchos como as flores

mortas naquele arranjo sobre a mesa

entre noticias frias de um mundo hostil.



No espelho, um grito sufocado

uma saudade, uma fome

implorava uma lágrima uma miragem

carregava um deserto no peito.



No espelho, sete anos de azar

o homem bomba não encontraria

no paraíso, as virgens prometidas

cansado demais pra recolher seus

pedaços pela casa.



No espelho, uma nuvem.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Plantão do coração vazio - Série:"Memórias Póstumas de Um Falso Moralista ( ou Sobre a Intangibilidade Inerente) "

Plantão do coração vazio



Não há sobreviventes entre os escombros

no lugar que foi palco de tantos sonhos.

Não há sinal de vida

entre as ferragens. Corações retorcidos

pelo impacto invisível de desejos distorcidos.



Aqui jaz a esperança

entre promessas não cumpridas.

A queda em câmera lenta.

Desleixo implacável ferrugem.

Estilhaços que não se projetam.



Entre lençóis a roupa suja

lágrimas solitárias noites em branco.

Falando línguas diferentes

Com as mesmas palavras.



Essa coisa confusa que todos chamam de amor.

Procuramos qualquer imagem no caleidoscópio.

Insistimos em catalogar sensações.

O exercício fútil da retórica.



Como se o náufrago discutisse com o mar.

Seu mar um aquário.

Aranha presa na própria teia.

Demasiado humano, o poeta não se comove.



"Conspirador" Guilherme Araújo

Chocolate - Série: "Memórias póstumas de um falso moralista ( ou Sobre a Intangibilidade Inerente) "

Chocolate



Em algum lugar lá fora.

A multidão. Segundas intenções maquiadas sorrisos falsos sorrisos.

Aplausos sob flashes para a nova celebridade.

Todos. A multidão de invejosos.



Infalíveis. Formigas seguem seu caminho. Inabaláveis.

Enquanto. Espero o café qualquer café.

Enquanto. Palavras ecoam em minha cabeça.

Palavras que ninguém tem tempo pra ouvir.



A nova celebridade tem a bunda mais gostosa do momento.

Uma gostosa bunda de chocolate.

A bunda dos sonhos cheia de sonhos.

Uma bunda determinada.

Todos. Querem o cheiro daquela bunda.



Perdido entre o teto e lugar nenhum.

Enquanto. A tv me apresenta seu cardápio insosso.

Enquanto. Fantasmas me aconselham.

Enquanto. Ouço crianças embriagadas dançando.

Na beira do abismo.





"Conspirador" Guilherme Araújo