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sábado, 1 de maio de 2010

Sobre um amor “drumondiano”

Sobre um amor “drumondiano”

A vida parece mesmo um emaranhado de surpresas. De situações adversas. De sentimentos subversivos e, sobretudo, um campo onde reina o inesperado. Com Pretinha e Ramirez, nossos heróis nestes parágrafos, não seria muito diferente.

Há não mais que uns cinco anos atrás eles se conheceram, mais uma das peças do “dr. destino”. E mesmo numa situação inusitada, onde seus olhos chafurdavam em terrenos estranhos à procura da sobrevivência diária, seus rostos se entrecruzaram, num frenético, amoroso, sensual e estranho flerte.

Talvez não seja muito comum corpos tão dispares, numa sociedade onde reina um conceito de belo que não é real, se apaixonarem de uma forma tão súbita. Claro que não é condição ‘sine qua nom’ que tenhamos corpos sarados, como os semideuses para sermos amados, mas era no mínimo, diferente.

Pretinha era bem maior que Ramirez e também muito mais velha. Na verdade, ela já era uma senhora. Querida por todos da vizinhança, ela atravessava a rua com uma elegância incomum, exuberante e segura, alheia ao transitar de todos os carros. Sempre vinha alguém cumprimentá-la e insistir em ficar alisando-a, o que a tirava do sério e deixava nossa heroína um tanto constrangida. Embora fosse difícil concluir, ela parecia estar sempre sorrindo.

Ramirez já era mais estabanado, andava sempre de lado e meio que capengando pela preguiça. Acho que o fato dele ter vindo perdido lá das bandas do “Troca-Tapa”, lugar não muito abastado socialmente, pode ter influenciado.

Ele era um baixinho muito preguiçoso, vivia dormindo dentro da lan-house, disfarçado, com os olhos entreabertos. Na verdade mesmo, ele gostava muito do nome que tinha, ele achava que Ramirez tinha uma sensualidade latina, que lhe proporcionaria vantagens nas conquistas diárias. Nosso herói era um tanto quanto convencido, as vezes mesmo estando sozinho, tinha certeza que alguma cadela poderia estar o observando.

A vida dos dois se cruzou meio que por acaso, mas foi mais ou menos uma forma “drumondiana” de conhecer o amor. O coração para de funcionar por alguns segundos. O brilho emerge nos pretos olhos, e de repente, toda uma vida se apresenta, inerte, num poético flerte o futuro se consagra. O amar é a única forma de ser feliz!
E depois de minutos os dois já se amavam. Ele não se importava pelo fato dela ser uma cadela. E ela não se importava por ele vir do “Troca-Tapa”. Traçava-se aí uma bela história.

Era muito comum vê-los de um lado para o outro, atravessando amorosamente a rua. Indiferente aos perigos de um vai-e-vem metropolitano, e sempre enfeitiçados pelos toques do amor.

Ramirez era meio metido à valente e insultava quem ousasse chegar perto de sua “dama”, ou cadela... Ou senhora... Não importa! Quem se metesse era colocado pra correr.

Certa feita Pretinha sumiu, foi dar umas voltas pelos lados da “Sapolândia”. Lugar meio insólito e tido como hostil a uma jovem senhora como nossa heroína. Pretinha teve que dormir fora, ficou meio tarde pra voltar. Ramirez quase morreu do coração, chegou a pensar que a carrocinha, terroristas de marca maior, tinham levado seu amor, ensaiou algumas lágrimas, mas era durão demais pra se entregar em prantos, mesmo que fosse pela sua “Lessie”. Depois tudo se resolveu, ela chegou por volta das cinco da manhã. Ramirez botou banca que ia terminar tudo, que não ficava bem pra uma senhora chegar nessa hora da manhã, mas foram “latidos ao vento”. Logo depois os dois estavam dividindo uma bela porção de banha que o magarefe Benevides servia ao casal toda manhã. Ficou tudo como uma segunda lua-de-mel. Na verdade Pretinha tinha sempre um trunfo na mão. Ramirez nunca ofereceu a ela uma coisa mais séria. Sempre era um rolo. E nas brigas ela sempre dizia: - Quem gosta assume! Ela sempre dizia que por ser mais velha ele não tinha coragem de lhe dar casa e filhotes. E ele não tinha o que dizer. Apesar de todo amor, ele era um cão vadio.

Mas voltando ao começo, a vida é sim um campo onde mora o inesperado, onde futuros e amores podem se construir e se diluir no talvez, em minutos. Um campo onde nem o amor é sustentação para um futuro.

Mais um dia em que Ramirez vadiava pela lan-house, mais um dia que seus olhos tremiam de tanta preguiça. Mais um dia que seria um dia comum. Parece que às vezes prevemos certas coisas.

Pretinha, mais uma vez dormiu no condomínio do bairro, onde todos os dias o universitário abria as portas para que ela pudesse começar o dia. Neste dia ela olhou tacitamente Ramirez, e quase uma lágrima rolou pela sua desgastada face. Ela ficou emocionada ao ver aquele “belo rapaz”. Eu, particularmente, acho que no dia de morrer as pessoas ficam meio que “belas para a morte”. Belas para um momento solene.

Ramirez, mais um dia, mais uma preguiçosa alvorada. Ao atravessar a rua ele não viu que o ônibus escolar vinha meio que desgovernado e muito veloz. Todos os dias ele passava no mesmo horário, que não era de muito movimento. Mas esse dia estava diferente. O ônibus pegou o Ramirez em cheio, ele rodopiou umas cinco vezes até cair sangrando no meio da rua.

Pretinha do outro lado olhava inerte. Acabava seu “amasiado” amor. Morria sua jovem paixão.

Ao amanhecer do dia seguinte o universitário não achou nenhum dos dois para dar-lhes a liberdade diurna. Na noite anterior, sua filha tinha comentado que o escolar dela tinha atropelado um cachorro e que o motorista nem mesmo parara para prestar o socorro ou ver o que havia cometido. Era só um cão. Era Ramirez.

O universitário quis chorar. Mas não podia se comover por um casal de vira-latas. Sua vida cientificista não permitiria. Mesmo que esse casal vivesse uma história “drumondiana”.

Pretinha anda muito depressiva. Acho que não vai suportar. Ela já não come as guloseimas que o magarefe Benevides lhe dá.

Leandro Galdino

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