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terça-feira, 18 de junho de 2013

Sebastianismo do Sertão

Sebastianismo do Sertão

“Daqui de cima, no pavimento superior, pela janela gradeada da Cadeia onde estou preso, vejo os arredores da nossa indomável Vila sertaneja. O sol treme na vista, reluzindo nas pedras mais próximas. Da terra agreste, espinhenta e pedregosa, batida pelo Sol esbrazeado, parece desprender-se um sopro ardente, que tanto pode ser o arquejo de gerações e gerações de Cangaceiros, de rudes Beatos e Profetas, assassinados durante anos e anos entre essas pedras selvagens, como pode ser a respiração dessa Fera estranha, a Terra – esta Onça-Parda em cujo dorso habita a Raça piolhosa dos homens. Pode ser, também, a respiração fogosa dessa outra Fera, a Divindade, Onça-Malhada que é dona da Parda, e que, há milénios, acicata a nossa Raça, puxando-a para o alto, para o Reino e para o Sol.

Daqui de cima, porém, o que vejo agora é a tripla face, de Paraíso, Purgatório e Inferno, do Sertão. Para os lados do poente, longe, azulada pela distância, a Serra do Pico, com a enorme Tapeorá, cuja areia é cheia de cristais despedaçados que faíscam ao Sol, grandes Cajueiros, com seus frutos vermelhos e cor de ouro. Para o outro lado, o do nascente, o da estrada de Campina Grande e Estaca-Zero, vejo pedaços esparsos e agrestes de tabuleiro, coberto de Marmeleiros secos e Xiquexiques. Finalmente, para os lados do norte, vejo pedras, lajedos e serrotes, cercando a nova Vila e cercados deles mesmos por Favelas espinhentas e Urtigas, parecendo enormes Lagartos cinzentos, malhadas de negro e ferrugem, lagartos venenosos, adormecidos, estirados ao Sol e abrigando Cobras, Gaviões e outros bichos ligados à crueldade da Onça do Mundo.
Aí, talvez por causa da situação em que me encontro, preso na Cadeia, o Sertão, sob o sol fagulhante do meio-dia, me aparece, ele todo, como uma enorme Cadeia, dentro da qual, entre muralhas de serras pedregosas que lhe servissem de muro inexpugnável a apertar suas fronteiras, estivéssemos todos nós, aprisionados e acusados, aguardando as decisões da Justiça, sendo que, a qualquer momento, a Onça-Malhada do Divino pode se precipitar sobre nós, para nos sangrar, ungir e consagrar pela destruição”.

Do romance “A Pedra do Reino” de Ariano Suassuna.
In Revista “Portugueses” (Maio/Junho 1989)

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